Não vou falar da minha Beatriz não. Na verdade eu só encontrei a reportagem que vou transcrever porque o título é "Não mudaria nada em Beatriz" e a curiosidade falou mais alto... Enfim, me emocionei com esse pai, que também é senador da República. Vale a pena ler.
O jeito expansivo lembra o líder estudantil dos cara-pintada, os
jovens que saíram às ruas pedindo o impeachment do presidente Fernando
Collor em 1992. Mas quem fala agora é o senador e pai de família
Lindbergh Farias (PT-RJ), 41 anos, casado há 17 com Maria Antonia, união
que resultou em Luiz (15) e Beatriz (1 ano e 2 meses). “A gente já
pensa em outro filho, e só de pensar o clima fica maravilhoso”, diz
Lindbergh, rindo, gesticulando, animado.
Beatriz nasceu em junho de 2010, pouco antes do início da campanha
eleitoral que faria de Lindbergh o senador mais votado do Rio de
Janeiro, com 4,2 milhões de votos. Beatriz, pequena demais, apareceu no
colo do pai, ao lado do irmão e da mãe, no momento “esta é minha
família” da propaganda eleitoral na TV. Baixa o pano. Nada mais foi
dito. O que ninguém viu, e nem todo mundo soube depois, é que Beatriz é
diferente. Tem Síndrome de Down. Pai e mãe foram informados depois do
parto. Descobriram o universo das pessoas com deficiência e suas
necessidades especiais. Entraram de cabeça nele. “Eu já abracei muitas
causas na minha vida, mas esta causa me abraçou”, diz Lindbergh.
A probabilidade de nascer um bebê com Síndrome de Down é de um para
600 nascidos vivos. A chance aumenta com a idade dos pais, mas pode
acontecer em qualquer família, em gestações de mulheres de qualquer
idade e raça. A Síndrome de Down é um acidente genético. Todo ser humano
tem 23 pares de cromossomos. O portador da Síndrome tem um cromossomo a
mais ligado ao par 21. “Não existem graus de Síndrome de Down e as
diferenças de desenvolvimento decorrem de fatores individuais, como
carga genética, educação e meio ambiente”, diz o texto explicativo do
site Fundação Síndrome de Down,
uma boa referência para quem quer saber mais sobre o tema. As crianças
com a Síndrome apresentam atrasos no desenvolvimento motor e na fala.
A filha de Lindbergh está com 1 ano e 2 meses. Fica de pé e ensaia os
primeiros passos. O senador saca o celular e mostra o vídeo da neném.
Aparece uma menininha de cabelos lisinhos, franja e perninha grossa se
apoiando numa cadeira. Depois de uns instantes, ele cai sentadinha. Sem
tirar os olhos da telinha, ele me pergunta:“Não é uma gostosa? Olha, é
uma paixão en-lou-que-ce-do-ra. Ela sai do colo de qualquer um para o
meu. Até da mãe! É um prestígio!!”.
Dia desses, num avião ao lado da presidente Dilma Rousseff, Lindbergh
fez a mesma coisa. Mostrou fotos de Beatriz e viu fotos de Gabriel, o
neto da presidente. “Você sabia que a presidente também conhece a Galinha Pintadinha!?”,
diz, às gargalhadas, revelando o sotaque paraibano no “pintadinha”. “A
gente com filhos vive num mundo paralelo. Eu quero sair na rua com
Beatriz atrás dos cachorros. Conheço todos da vizinhança, tem o
Luigi…tem o…”, diz, se divertindo com a própria história. “Tem coisa
mais simples e feliz do que isso?”
A entrevista é interrompida porque há novidades no Plenário, um
assessor avisa. É quarta-feira, dia que quase tudo acontece no
Congresso. O senador pede licença. Precisa votar, mas promete retornar
ao gabinete. Está disposto a falar mais da família. Lindbergh é daqueles
que atribuem aos filhos o dom de tornar os pais pessoas melhores, “mais
sensíveis”. Faz troça de si mesmo. Desanda a contar cenas domésticas
corriqueiras.
“Noite dessas, eu estava tomando cerveja com um grande amigo,
falávamos de família e tal. Lá pelas tantas eu viro para ele, já quase
com um certo ar de superioridade, e tasco um ‘mas sua filha é
normaaaal!’, diz, elevando o tom de voz, antes de rir de si mesmo com a
onda que tirou. “É que Beatriz é maravilhosa”.
Lindbergh volta do Plenário, como prometido. A conversa segue. Sobre
as dificuldades de lidar com uma criança especial, ele para pra pensar e
diz o seguinte: “Eu sou tão feliz com ela. Ela é tão maravilhosa. Eu
não queria um detalhe diferente em Beatriz”. E, para deixar claro que
não está encarando tudo como um problemão, revela que sua maior
preocupação são os outros.
O inferno são os outros
“Tem deficiências e deficiências”, diz Lindbergh, propositadamente evitando enveredar pelas dificuldades maiores que muitas famílias enfrentam,
conforme revelam esses dois posts antigos aqui do blog. “O Down tem
muitas alegrias, grandes conquistas. Às vezes, os de fora olham de um
jeito que não é o mesmo jeito de quem vive de perto. Você fica
preocupado com o preconceito, claro. Vai ter a escola…Como vai ser na
escola? A gente não quer que nosso filho sofra”, diz, sério, pensativo.
“Mas vai rolar, ela vai ter que enfrentar, e nós também”.
Lindbergh parece lembrar de algo mais, antes de mudarmos de assunto.
“No início, é sempre mais difícil. Teve uma coisa que um geneticista me
disse…”. Ele se cala de repente. “Ele disse assim ’ninguém vai chamar
tua filha para dançar’”. A voz faltou em algum trecho da frase. Com os
olhos vermelhos e marejados, ele tenta prosseguir. “Eu desabei…eu
desabei. Como assim ninguém vai chamar minha filha para dançar!?” Num
esforço para se recuperar da emoção, ensaia continuar. “Desculpe, é
bobeira minha…”
Silêncio no gabinete.
Beatriz, como outras crianças com a Síndrome, irá conviver com iguais
e diferentes. Perceberá com o tempo as próprias limitações e aprenderá a
lidar com elas. Ela vai dançar sim, remenda o pai. “Vai ter a festa das
crianças e dos adolescentes como ela, vai ter festa com outros. Ela vai
dançar. Vai freqüentar esses dois grupos. Maria Antonia diz que ela
será independente, que vai morar sozinha!!”, diz Lindbergh, com o
sorriso fácil de novo no rosto.
Um dos mais graves erros de conduta com as pessoas Down, num passado
não muito distante, era encará-las como doentes. A Síndrome de Down não é
doença, mas muita gente não sabe disso. Por ser uma alteração genética,
não tem cura. Hoje, o grande equívoco é infantilizar essas pessoas.
Tratá-las eternamente como crianças, alertam os especialistas, o que só
faz reduzir suas potencialidades. Essas crianças podem e devem estudar.
Quando adultos, terão direito ao trabalho e poderão ter um
relacionamento afetivo e vida sexual. Precisam, portanto, de educação e
informação.
Como presidente da subcomissão permanente de Assuntos Sociais da
Pessoas com Deficiência, Lindbergh decidiu buscar soluções para entraves
corriqueiros e sérios na vida dos brasileiros necessitados de
assistência especial. Em vez de brigar por uma lei e enveredar por
complicadas negociações, ele resolveu bater na porta do Palácio do
Planalto e convidar a presidente Dilma a comprar a briga. “Muita coisa
pode ser resolvida com decretos presidenciais, portarias ministeriais e
outros atos legais menos complicados”, disse.
No mesmo dia em que tomou posse na Casa Civil, a ministra Gleisi
Hoffman chamou o senador para conversar. Foi encarregada pela presidente
da República de tomar conta do assunto.Voaram ofícios do senador para a
presidência, e para 11 ministérios. Seguiram-se reuniões e negociações.
Esse trabalho-formiga está dando forma a um grande programa a ser
anunciado por Dilma Rousseff no dia 21 de setembro. Trata-se de um
conjunto de ações que vão da obrigação de incluir o diagnóstico precoce
de autismo e Síndrome de Down no protocolo médico de atendimento aos
recém-nascidos até a criação de um regime especial de aposentadoria para
os trabalhadores com Down. A expectativa de vida dessas pessoas gira em
torno de 43 anos. Não faz sentido exigir delas 30 anos de contribuição
com o INSS como os demais, para ter o mesmo direito à aposentadoria.
Outras histórias
Políticos são procurados por pessoas em busca de soluções para os
problemas mais diversos. Foi assim que Lindbergh conheceu Fausto, um
rapaz carioca autista que havia sido aprovado na prova de habilidade
específica de Música para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas
foi reprovado no Enem. Fausto estava frequentando as aulas como ouvinte,
até uma reunião entre o reitor, Lindbergh e os pais do candidato a
aluno. Agora, ele estuda oficialmente e poderá se formar. “Olha que
sensacional. A gente fica aqui no Congresso pensando em grandes
projetos, e de repente tem essas pequenas vitórias que fazem toda a
diferença na nossa vida”. O mais engraçado, conta Lindbergh, foi a
sinceridade do rapaz. “No primeiro encontro ele foi logo me avisando ‘ó,
não votei em você não. Votei no Cesar Maia!”.
No último domingo, o senador Lindbergh Farias embarcou para Nova
York. Com a deputada federal Rosinha da Adefal (PTdoB/AL), uma das
cadeirantes eleitas em 2010, ele integra a delegação brasileira da
Conferência dos Direitos da Pessoa com Deficiência, das Nações Unidas.
Dados preliminares do Censo 2010 indicam que o contingente de
brasileiros com deficiência aumentou em pelo menos 3 milhões de pessoas,
estatística inflada cada vez mais por vítimas de acidentes de trânsito.
Se esse dado se confirmar, há 28 milhões de brasileiros convivendo com
deficiências. O maior problema desse grupo não são as próprias
limitações, mas a falta de estrutura no país para exercerem a própria
autonomia.
As nossas diferenças fazem do mundo um lugar mais interessante.
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